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22 de maio de 2011

SEMINÁRIO ' ÉDIPO E CASTRAÇÃO: FUNÇÃO MATERNA E FUNÇÃO PATERNA"SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS

Bleichmar, Hugo. Introdução ao estudo das perversões. Porto Alegre:

Artes Médicas, 1984. cap.4.


*Bernardino, L.M.F. (org) O que a psicanálise pode ensinar sobre a

criança, sujeito em constituição.São Paulo, Escuta, 2006.


Checchinato, Durval (coord) A clínica da Psicose. 2.ed. Campinas:

Papirus, 1988.


Freud, S. Obras completas. Imago, Rio de Janeiro, Vol.XIX

l"A organização genital infantil: uma interpolação na teoria da sexualidade". 1923
l"A dissolução do complexo de Édipo". 1924
l"Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos". 1925lJulien, Philippe. As psicoses: Um estudo sobre a paranóia comum. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999. cap.2.

Lacan, J. Os Complexos Familiares na formação do indivíduo. Jorge Zahar
Editora Ltda, Rio de Janeiro, 1984.

Lacan, J.(1957-58) As Formações do Inconsciente. Seminário livro 5. Jorge Zahar, RJ, 1999.

*Lebrun, J-P. Um mundo sem limite . Rio de Janeiro, Companhia de Freud,2004.

*Melman, C. Novas formas clínicas no início do terceiro milênio. CMC Editora, Porto Alegre, 2003.
Nasio, J.D. Lições sobre os sete conceitos cruciais da psicanálise. Jorge Zahar EditorLtda, Rio de Janeiro, 1989.
Nasio, J.D. Édipo. Jorge Zahar Editor Ltda. Rio de Janeiro, 2007.

obs- * temos à disposição em nosso acervo para venda


MENINA-MÃE

Por Valéria Codato

Ao refletimos sobre a gravidez na adolescência, devemos considerar acima de tudo a relação mãe-filha e suas conseqüências na construção da sexualidade da menina/mulher.

Não podemos ser ingênuos e pensar que essas gravidezes ocorrem meramente por modificações hormonais ou como resultado da curiosidade sexual despertada no momento da adolescência.

A psicanálise sustenta a concepção de sexualidade como uma construção que começa na infância, quando a criança é acolhida pelo desejo dos pais. Todo o percurso que se segue, denominado identificação, é o que determinará o destino subjetivo de pertencer ao universo masculino ou feminino. Portanto, as funções materna e paterna são decisivas para esta construção. Tais funções não precisam necessariamente ser exercidas pelos pais biológicos, mas quem tomar esta responsabilidade para si deve ter consciência da importância do que transmitirá à criança, para além daquilo que se pretende ensinar. Ou seja, as atitudes, os gestos, as palavras, o olhar, tudo o que vem daqueles que cuidam e acolhem a criança, será determinante na constituição de sua subjetividade. E esta constituição se edifica sobre a sexualidade, entendida aqui como as experiências prazerosas vivenciadas desde o nascimento, e não somente ao que se refere como órgãos genitais. Portanto, o tornar-se mulher dependerá de como se estabeleceu a relação mãe-filha desde os primórdios da vida, de como a mãe pode transmitir à filha o gozo da feminilidade.

É importante ter isto em mente quando se pensa sobre a gravidez na adolescência e também sobre como ambas- mãe e filha- vivenciam tal experiência.

Atualmente, a grande maioria das meninas é muito bem informada e conhece métodos variados de contracepção, mesmo entre as camadas mais pobres da população. No entanto, elas não fazem uso das informações que têm. Conhecem os riscos, os métodos para evitar a gravidez, mas não se fazem cargo disto, e na maioria dos casos, nem sabem explicar o por quê. São inúmeras as meninas que não crêem correr o risco de uma gravidez, como se pudessem transitar pela sexualidade sem maiores conseqüências. Como se fossem meninas que brincam de médico, e não mulheres sexuadas. Em outros casos, somente conseguem manter relações sexuais quando não há premeditação, ou seja, têm que acontecer sem planejamento, num impulso de momento. Assim, não se implicam como responsáveis pelo acontecido.

Sabemos que uma certa dose de impulsividade e inconsequência são toleradas na adolescência, posto que são consideradas como características de um momento crítico da vida. Chiclete, algodão doce e picolé não os divertem mais. Saem em busca de um novo modo de satisfação. Os pais geralmente os encaminham para os esportes e outras atividades onde possam “gastar energia”, mas nada consegue demovê-los de lançar-se ao encontro com o objeto sexual.

Que vivência têm essas adolescentes desse momento em que seus corpos são tomados pelo desejo sexual? Como suas mães enfrentam este despertar sexual da menina?

Muitas vezes a dita “educação sexual”, seja na escola ou na família, propõe aulas de anatomia e de fisiologia, através de informações claras sobre um organismo que funciona a partir de hormônios e órgão genitais. No entanto, esquecem-se de que o ser humano, diferentemente de outros do reino animal, não é determinado apenas pelos ditames orgânicos, mas sofre uma determinação pulsional inconsciente. Um corpo que, para além da dimensão biológica, é um corpo erógeno, marcado pelo simbólico e organizado pelo imaginário.

Assim, uma gravidez neste momento da vida põe em xeque o ensinamento dos pais, seus conselhos, suas orientações e valores. Nasce um novo bebê que é jogado no colo dos pais dessas meninas, frequentemente como uma forma inconsciente de ocupar estes pais com outro bebê que não ela própria, isto é, mais do que um filho, estas meninas parecem gerar um clone, para que assim possam crescer.

É esperado que os pais se sintam culpados ou responsáveis pelos atos de seus filhos, principalmente quando crianças ou adolescentes.

Entre mãe e filha há sempre uma certa ambivalência e competitividade inconsciente, que pode se expressar na forma de sentimento de culpa quando se revelam dificuldades maiores na vida de uma filha tão jovem. É ainda inevitável que a mãe se identifique à filha, se coloque no lugar dela, pois uma filha sempre traz a possibilidade de atualizar para a mãe a sua própria história.

O sentimento de culpa pode também encobrir decepção e o descontentamento por ter sido promovida à posição de avó tão cedo. Para algumas avós jovens, este fato provoca uma grande insatisfação ao terem que se confrontar com a perda da juventude antes do previsto.

Muito provavelmente, ao se ocupar do neto(a), a avó permitirá mais facilmente que sua filha viva sua vida com mais liberdade. Este pode ter sido o motivo da gestação, podendo oferecer um novo bebê à sua mãe, inconscientemente, a adolescente pode deixar o mundo da infância para que outro tome seu lugar!

Cuidar dos netos pode ser muito prazeroso, mas a responsabilidade sobre a maternidade e paternidade não podem ser substituídas nem amenizadas pelos avós. Aqueles que “escolheram” muito cedo (mesmo que de forma inconsciente) assumir seu papel sexual e social, não devem ser poupados da responsabilidade sobre os filhos.

Oferecer ajuda à filha não deve ser confundido com substituição da mesma. Quando cada um assume seu lugar, sua função e seu papel, torna-se mais fácil o amadurecimento, inclusive evita-se confusões e sofrimentos por parte da criança.Acredito que nos tempos atuais, facilmente os pais/avós se comprometem a cuidar do neto por acreditarem que assim poupariam o sofrimento de todos (filhos e netos), pois os pais de hoje buscam a todo custo livrarem os filhos daquilo que é próprio da vida- sofrer as consequências dos próprios atos. Acreditando, talvez, que estariam fazendo o melhor para eles, impedem seu verdadeiro crescimento.

Afinal, assumir a posição de sujeito é poder desejar e arriscar-se a ser feliz!

28 de março de 2011

Dia Internacional da Mulher



No mês de março, a data do dia 8 no calendário não passa desapercebida como várias outras alusivas à temas que merecem ser ressaltados ou comemorados para reforçar a sua memória e não cair no esquecimento.

Sem levar em consideração os fatos históricos que originaram o Dia Internacional da Mulher, tomaremos como referencia o que era sugerido pelos movimentos feministas nas primeiras décadas depois dos anos 60. Uma mulher, para afirmar sua independência, renunciaria à maternidade e ao próprio desejo sexual (desejar um homem); condições que passaram a ser consideradas de submissão ao homem e ao patriarcado. Muitas vezes simbolizavam estes protestos queimando sutiãs em praças públicas. Sua reinvidicação era sair do privado, onde ocupava o lugar de "rainha do lar" ao exercer as funções de esposa e mãe.

Não há como negar que, na atualidade, o espaço que a mulher ocupa expandiu-se para além das fronteiras do privado. Com suas competências, não só dirigem caminhões nas rodovias transportando cargas como também ocupam cargos de dirigentes de nações.

Vale lembrar que fazem questão do sutiã, preferencialmente de modelos que possam ressaltar este atributo físico, alvo da cobiça do universo masculino.

A maternidade, tiram de letra, podendo escolher a data e/ou o sêmem para uma "produção independente", que melhor se adeque a mais este ideal para preencher seu vasto currículo. Fazem questão e amamentar seus bebês, aprendendo todas as regras e normas nos cursos de amamentação, com a garantia de que a aparência de suas mamas serão reparadas pelas próteses de silicone.

Se avaliarmos a mulher de hoje pelas manchetes das capas das revistas, "A Mulher" ideal existe e nada parece lhe faltar. No entanto, há uma pergunta que não quer calar, desde Freud: "O que quer a mulher?". Questão que nos conduz a pensar a feminilidade pela via da psicanálise.

Impulsionado pelo desejo de saber o que seria específico do feminino, Freud iniciou sua clínica tentando escutar as histéricas, e com esta escuta inventou a psicanálise. Ao admitir um não saber, pode construir sua teoria, dando voz e vez àquelas que lhe pediam para que se calasse e as escutasse.

Esta teoria foi apropriada por Lacan que, a partir de sua tese sobre o estudo da paranóia, avançou nos estudos freudianos e desenvolveu o que ele chamou de "Estadio do Espelho", fase em que a criança muito cedo identifica-se com a imagem que vê de si no Outro primordial, a mãe. O mundo dos nossos objetos, portanto, são constituídos a exemplo da imagem apreendida como eu(moi) e como objeto do desejo da mãe,uma imagem sustentada pelo desejo da mãe que é Outro.Uma intrusão primeira, desconhecimento paranóico que forma uma imagem ideal(eu ideal),ilusão aprisionante, mas condição primeira (recalque originário) do falasser que, para se dizer humano, também precisa se apropriar da linguagem que é própria da cultura, o simbólico.

A sexualidade do falasser, macho ou fêmea, é ordenada pelo significante fálico, representante do recalque originário.A anatomia e os fenômenos fisiológicos não são experimentados em estado bruto, mas mediados pela linguagem e simbolizados, obedecendo uma determinação significante na sexuação graças ao valor fálico atribuído pelo Outro primordial.

A saída do Édipo, função normativa ou mesmo tipificante na assunção da posição masculina /feminina ,do lado do menino reconhece as insignias do pai que são da ordem de um traço de identificação paterna que possa lhe garantir uma "virilidade por procuração", da qual fará uso para abordar outra mulheres. Tal qual seu pai, ele próprio passou pela castração, lei que vale para todos seres masculinos e funda a classe dos homens.

Para a menina, do lado da mãe há carência de traço que seria específico da feminilidade,"mas na especificidade de privação do traço(Melman,C. O que quer uma mulher,in Ensino Lacaniano-Coletânea.1985-pag 60),"se queixa de estar privada de um orgão que atestaria sua feminilidade ". Nesta busca, que é constatada pela curiosidade e atenção que as mulheres exercem entre si, na busca deste traço que atestaria sua feminilidade, suporte de uma identificação imaginária, na identificação simbólica",vive assim regularmente em falta em relação à "A Mulher" que ela pensa dever ser.

Movimento que a coloca num paradoxo de sua reenvidicação ,tentando se fazer existir e ouvir como A mulher, toda, sem faltas. O que nos remete aos ilustrativos seriados televisivos: de "Meninas superpoderosas " à " Desesperates house wives".

Mas, se com Lacan concebemos que o "rochedo da castração" está para além, no Real, no que funda o recalque originário, a posição d'A mulher toda é reinvidicação imaginária da neurose, a falta é da ordem da estrutura, que abre a possibilidade de desejo e de satisfações parciais.Também com lacan aprendemos que o objeto é causa do desejo (objeto a).Da condição da "falta em ser" do sujeito, e de se asujeitar a ser objeto do gozo do Outro, identificado ao significante fálico é que pode advir como falasser.

Lacan sublinhou no seminário "As formações do inconsciente" que só existe uma maneira de desejar,qualquer que seja o sexo. pois trata-se de uma condição de estrutura, o destino do falasser:..."se pode perguntar se existe radicalmente outro desejo que não seja o histérico, desejo de desejo insatisfeito"(Andrè,Serge; O que quer uma mulher, p.204).

Freud, um bom neurótico conduzido por um não saber, inventou a psicanálise, também submetido ao enigma do falasser,"che vuoi?"(o que o Outro quer de mim?).O legado Freudiano que hoje norteia nossos não saberes e que coloca os psicanalistas neste trabalho permanente nos leva a concluir que a arte de viver está em construir se no desejo de desejo, cada um se responsabilizando pela suas próprias escolhas," o dono ou a dona de sua história".

24 de janeiro de 2011

SOBRE A FORMAÇÃO DO ANALISTA


Angela Valore*

Em suas “Novas Conferências”, Freud afirmava que “não tem o direito de se envolver com a psicanálise aquele que não adquiriu, em uma análise pessoal, as noções precisas que somente essa é capaz de oferecer”. Recomendação cujo peso parece, em nossos tempos, assim como é o caso da maioria das nossas leis, encontrar-se preocupantemente relativizado, ou francamente substituído por referências mais ligeiras. Mais como está na moda.

Entretanto, trata-se de um pressuposto ético, a ser tomado com todo o rigor, cujas conseqüências devemos reconhecer. Entre elas, a primeira e sem dúvida a mais grave, define de modo radical o verdadeiro lugar de formação do psicanalista: o divã.

É na análise pessoal que se adquirem as “noções precisas” e também aquilo de que se autoriza um analista, o que dá a alguém o direito de se meter com a psicanálise. Não são os anos passados nos bancos das escolas, ainda que sejam marcados pelos mais sérios estudos.

Lacan alertava que a psicanálise é um remédio para a ignorância. Mas que nada pode contra a idiotice. O que nos impõe concluir que ambas, idiotice e ignorância, pertencem a campos diferentes, mais ainda, que esta última pode ser entendida como uma condição para a psicanálise. Idiota seria, portanto, aquele que não sabe que ignora, tanto quanto o que supõe saber. Para ele, a psicanálise nada tem a oferecer. Já aquele que é capaz de reconhecer que ignora, de supor um saber Outro, estaria vacinado contra a idiotice e a princípio, apto à cura analítica. E, portanto, a suportar as exigências do percurso que leva da posição de sujeito dessa cura à função da escuta que a conduz.

A ética, que nos concerne a todos, coloca diante de nós, a cada passo, a questão “agiste conforme o teu desejo?” de cuja resposta depende a nossa posição na manutenção do discurso analítico. A máxima proposta por Lacan como condição primeira de haver analista, “não ceder do seu desejo”, é uma exigência cujas garantias não podem, em absoluto, ser obtidas a não ser numa análise pessoal.

Se não há analista fora do alcance dessa máxima ética da psicanálise, vê-se bem o que faz um psicanalista. E onde.

Lacan dizia que o analista ocupa o lugar do morto já que ele está ali para oferecer o semblante de que o outro precisa para falar. Não é um lugar fácil de ocupar esse, destituído de consistência e cuja condição é o des-ser, para a qual nenhuma formação prepararia não fosse a análise. Quer dizer, o que é sustentar o ato analítico não se aprende em livros.

Conta-se que Salvador Dali, querendo provocar seus interlocutores, compareceu a um evento com um esparadrapo no nariz. Muito depois, perguntou a Lacan porque este não havia dito nada quando o encontrou com o esparadrapo. E concluiu: “É fantástico, você foi o único a não dizer nada.” A esse respeito, A. Jerusalinsky afirma que o dizer nada fez o laço, o que solda o analisante ao par analisante-analista e conclui que “do real, apenas o recorte que nos permite a intersecção borromeana. Um resto. Mais nada. É disso que o analista é semblante.”

É ainda Jerusalinsky quem nos lembra que, apesar do imaginário popular, que nos representa como as pessoas mais estáveis, os analistas nem de longe são as pessoas mais tranqüilas, como o testemunham “suas biografias, seus amores, as migrações, as cisões, a circulação por diferentes auditórios, cidades...a curiosidade de percorrer os diferentes âmbitos do conhecimento...

É que é assim que o analista transmite que nada está resolvido e que isso não é um mal. E transmite também que a formação pode ser interminável, na medida em que o analista sabe que o inconsciente não tem fim.

* Angela Valore - psicanalista,presidente e membro-fundadora da LETRA-Associação de psicanálise; analista-membro da Association Lacanienne Internationale (França), Professora na graduação e pós em psicologia e psicanálise na UTP e na PUC-PR.

24 de outubro de 2010

"Nunca fomos tão felizes" ou "Quanto custa a felicidade?"

Manchetes recentes em importantes veículos da mídia noticiam que a felicidade é apontada pelas estatísticas como mais um produto de mercado, portanto acessível ao consumo. E, em se tratando de consumo, seu índice se apresenta em crescente medida, proporcional ao aumento dos vários ítens que a tecnociência pode nos oferecer na atualidade.

É notório que a imagem da felicidade está associada a toda e qualquer publicidade, desde as inúmeras variedades de produtos alimentícios , aos remédios, planos de saúde, até de um funeral préviamente planejado.

A afirmação de que "nunca fomos tão felizes" é equivocada, pois foi por termos um dia essa primeira ilusão da plena felicidade e completude que não desistimos de procurá-la. Ilusão esta que sustenta o desamparo próprio do nascituro, que por ver se como pleno no amor do outro, que o acolhe nas suas necessidades vitais, se oferece como objeto de seu gozo. Momentos primordiais da história de todo ser humano quando se instaura a crença que nos sustenta vida a fora, numa busca constante da "terra do nunca", onde nada irá nos faltar.

Podemos então afirmar que felizes são aqueles que puderam perder esta "felicidade", pois este é o preço que se paga para viver /existir ;que deste pleno, deste tudo, possa se perder,se escapar,de ser objeto de gozo do outro(Outro),que aprisiona e paraliza.

Freud (1930) nos adverte em "Mal estar na civilização":'...não podemos pular deste mundo”, pois a busca, a falta, é inerente ao ser humano, a satisfação é sempre parcial. A dor do existir por mais nomes que os diagnósticos médicos possam oferecer , são variáveis do mesmo tema (melancolia,transtorno bipolar,depressão,síndrome do pânico),ela persiste, pois nela mesma reside a condição da vida ,promovendo a civilização com sua cultura e normas .

Nestes tempos onde os civilizados impõe a felicidade instantânea da "capa da revista "(com a perfeição que tanto o "photo shop" como o " face book" possibilitam na seleção de melhores momentos),como um estado perene possível,coloca a todos num movimento hiperativo, sem intervalos ,sem tempos(pois o tempo é um tempo que não se conta ,tempo real). Os espaços necessários, a temporalidade que constrói a história e os sentidos do existir ,da vida, são abolidos .Capturados por essa ânsia e ganância, o ser humano se tranforma em ser objeto a serviço deste gozo ilimitado do sem fim do consumo.

Temendo perder, acabamos por nos perder nesta ilusão d"A FELICIDADE", num estado de nada desejar, de apatia,esquecendo que a condição do desejo é a falta ,que convoca o sujeito a novas posições, novas buscas, novas construções ao seu modo, ao seu estilo,em intervalos que contam histórias.

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Ato Analítico - Marta Dalla Torre e Valéria Codato Antonio Silva

14 de outubro de 2010

JAIRO MARQUES

Solte essa criança!


Sou grato ao colo da minha mãe. Mas grato mais ainda sou à decisão que ela teve de me "soltar" para a vida

LEVEI MUITO A SÉRIO na minha infância aquela ordem do Milton Nascimento: "Vida de moleque é vida boa. Vida de menino é maluquinha. É bente altas, rouba bandeira Tudo que é bom é brincadeira".
Na época, minha cadeira de rodas era praticamente uma jamanta de tão grande e desconfortável, mas nada me impedia de ser criança.
Ia para a rua nas férias de julho e soltava pipa até os beiços ficarem rachados de tanto vento na cara. E, com a molecada empurrando minha "embarcação", eu me embrenhava nos matos para brincar de desbravador.
Mesmo tendo as pernas ou a coluna engessadas para tentar reparar a funilaria amassada que a pólio me deixou, minha mãe não me impedia de visitar meu mundo imaginário ao lado dos meus amigos, todos "responsáveis", no alto de seus seis, sete, oito anos.
Aquele ritmo de viver só era quebrado quando aparecia pelo caminho um adulto chato para dizer: "Ele é doentinho? Nooossa, a perninha dele é tão fininha! Ôh, sofrimento, né? Ele não pode ficar na rua, não!".
Lembro-me de ficar meio confuso e cheio de dúvidas com aquelas intervenções. Afinal, para mim, deficiência nunca foi uma doença, eu não me sentia triste com meus cambitinhos e tinha uma infância pra lá de legal, como deveria ser.
Criança pode até festejar ou estranhar as diferenças do amigo que é ceguinho, cadeirantinho, surdinho, mas logo ela deixa tudo para lá, porque o importante é saber brincar, é saber comer areia sem se engasgar, é saber imaginar os monstros e as fadas.
Mas o adulto... esse sim é um mala sem alça que quer proteger a todo o custo, que quer defender sem mesmo haver uma guerra. Se quem não cai não aprende a se levantar, quem não se levanta -por motivos diversos- só aprende que pode voar se não é cercado de um monte de galinha choca o tempo todo.
Foi moleque que descobri, aos pouquinhos, que eu não conseguiria ser o artilheiro do time, mas poderia me arriscar no gol fazendo defesas heroicas com meus braços longos. Foi moleque que percebi que não poderia correr no pique-esconde, mas poderia ser o fiscal da brincadeira para "ninguém roubar!".
Quando gente grande chegava no meio de minhas zoadas de crianças, só era legal quando inventava regras que me ajudavam a brincar "de igual para igual". Mas, quando a ideia era me fazer de "café com leite" porque eu, supostamente, era mais fraco, achava um saco.
Toda criança precisa de cuidados, de atenção, de guias para chegar com segurança às outras fases da vida. Sou grato ao colo da minha mãe, que foi a minha forma de locomoção até os seis anos de idade. Mas grato mais ainda sou à decisão que ela teve de me "soltar" para a vida, de me deixar ter sido criança.

O MUNDO DE EMILLY
Lá no blog, fiz uma semana em homenagem à molecada. Tem dica de filme com história falando de diversidade, tem história de um bebê cujo pai é tetraplégico, tem entrevista com o Maurício de Sousa sobre seus personagens Dorinha, que é cega, Humberto, que é surdo, Luca, que é cadeirante, e Tati, que tem síndrome de Down.
E tem também um ensaio realizado pelo fotógrafo Arthur Calasans sobre o mundo de uma menininha chamada Emilly e sua batalha por uma cidade mais acessível.

11 de outubro de 2010

O Dia, da Criança?

Em vésperas do dia da criança, parece oportuno para a mídia, para além de todos os produtos oferecidos para presentes, reflexões e debates a cerca de qual o modelo ideal para a educação dos filhos (lembrando que os pais dispõem de" Universidade para Pais"), como preencher a agenda das crianças com atividades, sejam elas de cursos, atividades físicas; sobre seu isolamento diante das telas; seus direitos legalizados ,etc.

O reizinho da casa, entronizado pelos pais e a família em geral, como aquele deverá realizar as insatisfações da vida dos adultos, é a grande sacada do mercado que oferece um universo de produtos desde as mega- produções hollywoodianas das festas infantis, aos espaços de brincadeiras com suas gramas artificiais e brinquedos à prova de esfoliações e galos na cabeça.

A proposta é completa: vacinas, roupas, brinquedos, alimentação, escolas, propostas do mercado que, visando seus lucros, atingem em cheio o ideal dos pais em proporcionar a seus filhos que nada lhes faltem. Contudo, esta condição lhes exigem, na maioria das vezes, redobrar horas de trabalho e, consequentemente, um distanciamento da vida de seus filhos. Nesta "roda viva", os adultos,os pais, esquecem que eles próprios poderiam oferecer o melhor produto: ocupando o lugar que lhes cabe ao exercerem sua funções de pai e mãe; garantir à criança um espaço para ser criança,sujeito em construção. Pois o tempo da infância se faz às custas de adultos que lhe dêem referencias balizadoras para seu crescimento.

"Cada criança em sua brincadeira comporta-se como o poeta,enquanto cria seu mundo próprio ou dizendo melhor,enquanto transpõe os elementos formadores de seu mundo para uma nova ordem mais agradável e conveniente para ela"(Freud,S. Escritos Criativos e devaneios)

É com suas brincadeiras que a criança se constrói, encontrando assim seu modo de entender o mundo adulto que a cerca.

Nestes tempos de "HIPERATIVIDADE" e "DÉFICIT DE ATENÇÃO", não caberia ao adulto, ele próprio diagnosticar se, considerando de quem é para ele a criança com a qual ele se ocupa (seja seu filho ,neto,educando)? Será ela um outro ,sujeito em construção,ou seu si mesmo que pretende realizar o impossível de tudo ser e tudo ter?

"12 de outubro ": dia da criança ou do adultriança?

*Curiosidade: na sala de uma renomada clínica de neurologia infantil consta o seguinte aviso:

" Senhores pais não deixem seus filhos jogarem papel e copos no chão"

Ato Analítico - Marta Dalla Torre e Valéria Codato Antonio Silva

21 de setembro de 2010

AUTO ESTIMA: QUAL A MEDIDA DO AMOR?


Marta Dalla Torre

Valéria Codato Antonio Silva

A auto-estima origina-se de uma fase própria do desenvolvimento emocional do ser humano que é chamada de narcisismo pela psicanálise. Narcisismo é tomar a si mesmo como objeto de amor, tal qual o mito de Narciso que apaixonou-se pela sua própria imagem ao vê-la refletida no lago.

Esta fase se estabelece a partir do vínculo entre mãe e filho nas primeiras etapas do desenvolvimento infantil ( aproximadamente de zero a dezoito meses ), quando se dá uma relação exclusiva e excludente na qual a criança é tomada com “centro das atenções” pela mãe e vê nesta a imagem de si como um ser completo e perfeito. Mãe é aqui entendida como aquela pessoa que cuida, nutre e protege o bebê em seus primeiros meses de vida, o que nem sempre coincide com a figura da mãe legítima.

Isto fica bastante evidente ao observarmos as atitudes de cuidado, admiração e encantamento de uma mãe com seu bebê, e o quanto este depende de sua presença. É a partir de então, desse olhar materno sobre o filho e da imagem que a mãe faz dele, do lugar que ele crê ocupar em seu desejo que a criança vai desenvolver sua auto-imagem , precursora do que posteriormente se constituirá na auto-estima.

Contudo, se faz necessária a superação desta fase ,dita especular, para que a criança saia deste “ ensimesmamento” e busque relações com o mundo exterior. À medida em que a criança cresce, a mãe direciona-se a outras atividades permitindo à criança outros investimentos afetivos que não só ela (brinquedos e outras pessoas de seu convívio).Alternativas estas que são uma tentativa de suprir a ausência da mãe e que portanto, se constituirão em substitutos de uma ilusão original de completude e perfeição junto à figura materna.

É digno de nota observar que os pais tendem a atribuir aos filhos toda perfeição e ocultar suas deficiências, tecendo expectativas num investimento para fazer suas vidas melhores do que a deles próprios, estabelecendo para eles uma perspectiva futura muitas vezes difícil de ser alcançada. Consequentemente, ou a criança se transformará num agente realizador dos sonhos dourados dos pais, ou poderá vivenciar fracassos com um ideal que jamais poderá alcançar. Por exemplo, quando é chegada a hora de um adolescente escolher seu futuro profissional muitas vezes vive um conflito quase sempre gerado pelas expectativas dos pais, que nem sempre coincidem com a sua própria escolha.

Os pais hão de reconhecer que à medida que amam seus filhos com um amor narcísico, isto é, vendo neles sua própria imagem e semelhança, portanto sua realização, não permitem ao filho seu desenvolvimento próprio. É importante que os pais saibam qual a medida do amor a fim de proporcionarem aos seus filhos uma medida de amor-próprio suficiente que viabilize uma vida na qual não precisem buscar incessantemente a garantia de serem dignos de amor.

“Devemos começar a amar a fim de não adoecermos”(Freud, 1914). Com tal concepção Freud nos mostra a importância de se ultrapassar esta fase narcísica primária, a qual pode levar uma pessoa a desenvolver doenças emocionais graves , quando não superada. No entanto, um certo grau deste narcisismo ou auto-estima deverá ser preservado ao longo da vida, por meio do qual estabelecemos nossas relações posteriores.

As escolhas que fazemos em nossos relacionamentos nos remete sempre a fases do desenvolvimento infantil. Assim sendo, a busca do reconhecimento em todos os níveis da vida pessoal ou profissional, sempre traz consigo resquícios das vivências narcísicas primitivas. Tanto as vivências de fracasso como de sucesso são sempre revivências do narcisismo constitutivo de nossa personalidade. Pode-se notar nos casos de separação conjugal uma vivência extremamente dolorosa de ambas as partes no sentido de reconhecerem o próprio fracasso em manter o vínculo, mesmo quando é consenso que o sentimento de amor tenha se acabado. Isto vem a comprovar que perdas e separações na vida adulta nos remetem sempre a experiências de separação vivenciadas em uma infância remota.

Portanto, se temos uma imagem valorizada de nós mesmos, somos capazes de nos relacionarmos com os outros de maneira não egoísta, não depositando no outro a responsabilidade pelos nossos fracassos e sucessos.

Geralmente, no senso comum, associam-se situações de baixa auto-estima à idéia de pessoas desleixadas, carentes afetivamente, deprimidas, tímidas, drogadas. Na maioria das vezes isto pode ser verdadeiro. Contudo, mesmo nos casos em que aparentemente as pessoas manifestam excesso de segurança, vaidade, autoconfiança, exibicionismo, podem estar buscando esconder através de uma imagem supervalorizada de si, o que na realidade se revela como uma baixa auto-estima.

Podemos então concluir que a imagem que fazemos de nós mesmos é inscrita em nosso inconsciente e portanto, está presente em todas as nossas atitudes e manifestações diárias. Contudo, por tratar-se de marcas encobertas em nosso mundo psiquico, não temos acesso `as mesmas a nível de uma de compreensão consciente. Se faz então necessária uma intervenção profissional no sentido de ajudar as pessoas a livrarem-se de seu sofrimento psiquico, pois muitas vezes buscam soluções inconsistentes em “manuais”, medicamentos, treinamentos e outras atividades que só fazem aumentar a angústia frente a um problema que precisa ser abordado mais profundamente.

É o que muitas vezes constatamos em casos de timidez, seja em crianças, adolescentes ou adultos. O tímido muitas vezes se vê cobrado pelas outras pessoas no sentido de se expressar mais espontâneamente, o que para ele se constitui num esforço extremo para um objetivo inatingível. Na realidade, tal situação acaba por rebaixar ainda mais sua auto-estima, já que busca superar o problema baseando-se em referencias externas e não numa compreensão de seu mundo íntimo.

É através da Psicanálise que temos acesso ao mundo inconsciente e portanto, constitui-se num método eficiente para o tratamento das questões aqui abordadas.

Maringá abril de 1999

18 de agosto de 2010

EM NOME DO PAI


Por: Marta Dalla Torre

Valéria Codato A. Silva

Todos reconhecem a díade mãe-bebê como a relação primordial na vida de qualquer ser humano, levando-se em consideração que a criança humana nasce prematura e inacabada, necessitando, portanto, dos cuidados de outra pessoa para sobreviver e, em particular, da mãe. A mãe é aquela que acolhe o bebê desde seu nascimento, e até mesmo antes, ao habitar seu mundo imaginário, oferecendo a ele um lugar a ser ocupado em seu desejo. Através dos cuidados essenciais, a mãe que nutre e protege seu bebê, acima de tudo investe de afetos sua relação com o mesmo e estabelece com ele uma relação exclusiva e excludente que é tão necessária quanto sua ruptura. Através da alternância presença / ausência da mãe, a criança poderá pouco a pouco se diferenciar e separar - se da mesma em busca de sua própria identidade, e isso só será possível quando a mãe alimenta outros desejos e interesses para além de seu bebê. Portanto, é somente a mãe quem poderá transmitir um lugar terceiro entre ela e a criança, e que será ocupado, geralmente, pela presença do pai – um homem para o qual seu desejo de mulher se vê endereçado.

Então, o pai é aquele que “salva” o filho de uma relação dual, indiferenciada e mortífera, na medida em que separando - o da mãe (ao fazer dela sua mulher), o possibilita ingressar no mundo da linguagem, do simbólico, da cultura.

Torna-se desta forma, imprescindível que o pai e a mãe não abdiquem de seu lugar de homem e de mulher para que a transmissão da lei seja possível.

A figura do pai não pode se reduzir a um mero reprodutor biológico, ou como um mantenedor econômico de sua prole. Um pai não pode ser somente “pai-de-nome”. Sua palavra deve registrar uma autoridade, uma lei a preservar a saúde mental dos filhos. Portanto é “em Nome do Pai” que a criança deve abdicar de seu lugar supostamente de plenitude e completude junto à mãe para “des-colar” desta e “decolar” rumo ao social.

Mas, o que temos presenciado nesse contexto pós-moderno em que vivemos?

Diante das mudanças sócio-culturais ocorridas nas ultimas décadas e principalmente desde que a mulher saiu do mundo privado rumo ao público, deixando o ambiente doméstico em busca de outras realizações pessoais e profissionais, os papéis feminino e masculino no contexto da família sofreram alterações. Produziu-se uma mudança radical na maneira de se educar e de se relacionar com os filhos.

Por um lado, houve uma maior aproximação entre as gerações, sendo muito freqüente hoje observarmos pais e filhos fazendo programas em comum, como por exemplo: brincar no play-center, disputar jogos de computadores ou até mesmo soltando pipas e jogando bola juntos. Também é muito freqüente pais exercendo a função de “paternagem” quando se dispõem a auxiliar nos cuidados básicos com a criança (por exemplo trocar fraldas, alimentar, dar banho, etc.)

No entanto, o pai não deve se restringir a executar tais tarefas, nem mesmo se colocar numa posição “semelhante” em relação ao filho, o que conseqüentemente o faz “irmão de seus próprios filhos”.

O mais sério e agravante no momento atual é que à mulher é atribuído um poder incomensurável, o qual reduz a figura paterna a uma presença “dispensável”, quando não incômoda. As produções independentes (tão comuns entre atrizes globais) estão cada vez mais freqüentes.

O que dizer então das atuais possibilidades de concepção do ser humano, diversas da tão conhecida “Relação Sexual”? As manipulações científicas mais recentes na fecundação até mesmo excluem a célula masculina, o que possibilitaria a uma mulher se tornar mãe sem a presença ou menção a um pai, nem mesmo que fosse ele um mero doador anônimo.

Essas mudanças nos papéis masculino e feminino e por conseguinte de maternidade e de paternidade, os insere numa nova cena, na qual a ideologia se resume em consumir e acumular bens, o que não é sem conseqüências, já que seus sinais estão bem evidentes nas novas formas de sofrimento psíquico.

Estes reflexos estão também explícitos no social, onde o declínio do Nome-do-Pai, e a conseqüente indulgência às leis produz uma sociedade órfã. A ausência dessa referência terceira gera alternativas protéticas de organização social nas formações grupais ou bandos delinqüentes, ou ainda numa espécie de apelo à lei detentora nos atos homicidas tão freqüentes em escolas ou lugares públicos.

Não há como dispensar os inúmeros benefícios dos avanços da ciência e tecnologia, nem como retroceder aos velhos moldes da família, abdicando-se das conquistas femininas. Apesar do fascínio deste “Admirável Mundo Novo”, cabe a cada sujeito construtor de sua história e por conseguinte de sua comunidade, uma reflexão sobre o seu posicionamento frente a esta realidade.

26 de julho de 2010

I CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE A CRIANÇA E O ADOLESCENTE:CLÍNICA, PESQUISA E CULTURA - Santa Cruz de Cabrália-BA - 15 a 17 de julho de 2010




Na conferência do dia 15 de julho, a psicanalista Marie Christine Laznik discorreu sobre o tema: “Tratamento conjunto pais – bebê em um caso de depressão materna”, através da apresentação em vídeo de seu atendimento clínico ao bebê romeno Lucca, realizado em conjunto: do bebê com a mãe, ora com a mãe e o pai, ora com o irmão mais velho de Lucca , ora também com a avó materna do bebê .

Lucca foi encaminhado para o atendimento com a Dra. Laznik aos 2 meses de idade; até então não olhava, e sua mãe apresentava um quadro depressivo compartilhado com seu bebê.

De acordo com Laznik, há na história de Lucca um real traumático que se repete em três gerações.

A história da avó materna de Lucca é marcada pela morte de seu primeiro filho ainda bebê e, diante de qualquer choro do bebê, objeto de gozo doloroso, há um prenúncio de morte.

A mãe de Lucca, por sua vez, sustenta “o mais de gozar de sua própria mãe” quando, diante do choro do seu filho, se apavora, encaminhando-o para ao atendimento de emergência.

O primeiro filho dos pais de Lucca, que morreu de uma doença neurológica causada por desnutrição, não pode ser velado por seus pais, e este luto permaneceu encoberto como não dito e não elaborado.

Lucca ocupa este lugar do irmão morto e não é olhado pelos seus pais.

Como não ser um puro fantasma do bebê morto?

Laznik em suas intervenções faz um trabalho de intérprete, ao restituir à mãe o valor de ato daquilo que seu filho acaba de fazer, pois se o sujeito é hipótese do Outro, a função do psicanalista é ajudar a restaurar o Outro materno. Assim, a psicanalista fala com Lucca, pois “..fala somente é fala à medida exata que alguém acredita nela”, conforme afirma Lacan - O seminário-livro 1, dando voz e sentido ao choro ou qualquer manifestação daquele bebê. Cortes que vem operar na massa sonora escutada e que precipitam uma significação, restituindo um sentido ao bebê, em detrimento de tantos outros.

No decorrer do trabalho com a psicanalista, a mãe reencontra a capacidade de falar com seu bebê. Certas formas de depressão materna podem impedir a mãe de ter esta competência.

Graças a uma identificação em espelho com a analista, a mãe reencontra uma imagem valorizada de seu filho, e rapidamente corporifica o fato de crer que os enunciados da criança constituem uma mensagem.

Ao entrar com a função paterna, incluindo o pai no jogo, retira a repetição do traumático, rompendo-a.

Após um ano e meio de atendimento, Lucca já mostra no jogo a incorporação de seu mundo representacional internalizado, livre de distúrbios psíquicos mais graves.

5 de julho de 2010

ÉDIPO

“(...) O progresso do trabalho psicanalítico tornou cada vez mais clara essa importância do complexo de Édipo,seu reconhecimento converteu se no ‘shiboleth’ (traço distintivo ) que separa os partidários da psicanálise de seus oponentes.”-Freud,1905-“ Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, em nota acrescentada em 1920.

Freud aqui nos deixa claro o que sustenta aqueles que dirigem sua práxis segundo seu legado, pois para muitos ‘psicanalistas’, Freud é considerado superado, dependente de sua época em Viena nos anos 1900, de uma civilização onde o patriarcado era muito exigente. Contudo vale lembrar que alguns pais já não o eram, pois foi necessário um verdadeiro pai do patriarcado, Freud, para que o pequeno Hans fosse curado.

No desenvolvimento de seus escritos, a descoberta do Édipo deu-se a partir da análise de seus próprios sonhos como um duplo desejo inconsciente.

É na segunda tópica que o Complexo de Édipo adquire um valor conceitual ao articular a falta e a diferença dos sexos, o desejo e a lei, a castração e a angustia.

A partir de então,o complexo de Édipo se reordena, tendo como núcleo o complexo de castração, problematizando o drama edípico que, para o menino, trata-se da ameaça da castração por parte de seu pai em conseqüência de seu desejo pela mãe; e, para a menina, a inveja do pênis que supõe ser o objeto que iria satisfazer a mãe. Freud, assim retoma o complexo de Édipo em torno da falta que marca toda a psicanálise. Falta que ao mesmo tempo em que provoca o mal estar do sujeito ao criar a angustia de castração, também se instaura como causadora do desejo.

Com Freud, é o amor ao pai que promove o declínio do complexo de Édipo e cessa a angustia de castração, com a incorporação da autoridade paterna , o supereu, a voz do pai interiorizada.

Para Lacan, “abandonar o complexo de Édipo seria fazer da psicanálise um delírio”, e quando ainda fazia parte da IPA, ao ler Freud numa grande solidão, revisitou o Édipo freudiano, e para salvá- lo inventou três adjetivos que qualificaram o pai : Simbólico, Imaginário e Real, dando-lhe a posição de Édipo Estrutural.

Lacan nos indica que o mito grego utilizado por Freud não deve ser reduzido ao conflito Edípico imaginário, mas como um processo de normalização edípica pela submissão ao significante. Significante este que designa um lugar terceiro transmitido pela mãe ao inconsciente da criança - o Nome-doPai - significante que tem uma significação, o desejo da mãe, sua falta. Portanto não é a imagem do pai, mas este lugar fundado pela mãe, a partir do pai simbólico no inconsciente materno.

Pai Simbólico no inconsciente materno que agora dá lugar ao pai privador –pai Imaginário –quando a criança dirige sua demanda àquele que permite a ela deixar a mãe para receber ou o traço identificatório da virilidade, no caso dos meninos; ou um filho como substituto do falo, no caso das meninas. Para a criança, o pai que priva a mãe /mulher, que tem o que ela não tem, consequentemente priva a mãe de fazer de seu filho seu falo.

O pai real é o que permite à criança, à medida que cresce, operar o luto da grande imagem que ela pede ao pai. O real do pai não é o ideal, mas sim o que permite ao adolescente ou à adolescente reconhecer que o pai ideal não existe. O pai que está orientado, voltado para uma mulher- objeto a -causa de seu desejo, introduz a diferença de gerações e o interdito do incesto.

Lacan, ao constituir o princípio eficaz do Édipo pela metáfora paterna, ou seja, o Nome –do- Pai , leva a crer que sua função é a de promover a castração simbólica que tem como conseqüência a submissão do ser humano ao significante – Outro simbólico que permite ao sujeito abandonar as amarras do especular, as demandas do outro seu semelhante ,e poder se engajar no desconhecimento, tendo como o único apoio a lei significante inconsciente.

O sujeito é afetado pela estrutura que obedece uma lógica, os significantes que o determinam e o gozo do sexo que o divide, fazendo- o advir como desejante.

A descoberta freudiana do inconsciente é de que ele tem leis e comporta desejo, sobre o qual nem sempre o sujeito quer saber.

Com o avanço da ciência e o discurso do capitalismo, o Nome –do -Pai, que representa a instância simbólica da lei e a castração a que todos somos submetidos, constitui a verdade da descoberta do inconsciente, que não pode mais ser recalcada.

14 de junho de 2010

O SENHOR DAS MOSCAS ou O SENHOR ESTÁ ÀS MOSCAS...

De 09 a 12 de junho, o Ato Analítico esteve presente nas VI Jornadas de Direito e Psicanálise, promovido pelo Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. As Jornadas ocorrem anualmente em torno de uma obra literária escolhida pelos participantes do Núcleo, que pertencem aos campos do Direito, da Psicanálise, da Filosofia, da Antropologia, da Sociologia e áreas afins.
Nesta ultima semana, a obra literária em cuja órbita se movimentaram os diversos discursos e debates, foi "O Senhor das Moscas" de William Golding. A narrativa remete tanto a uma análise mais sociológica sobre a civilização e a organização de nosso mundo social, quanto a uma análise mais psicológica de seus personagens.
O autor nos leva para uma ilha, uma espécie de "paraíso perdido" onde se instala uma guerra entre anjos e demônios, tendo como pano de fundo o "mal que nos habita". Autores como Hobbes, Roussaeau, Durkheim, Freud, Lacan, Bauman, Melman, dentre outros, foram muitas vezes citados pelos conferencistas e palestrantes, fomentando um interessante debate interdisciplinar, num espaço de intersecção e interlocução entre diferentes campos do (não)saber.
Num mundo sem adultos ou sem referências, os personagens, crianças e pré-adolescentes se mostram desorientados após um período inicial de euforia sustentada na idéia de uma liberdade sem limites. No entanto, com o passar do tempo, mediante a imperiosa "necessidade de sobrevivência", agem como seres primitivos aquém de qualquer moral ou ética que se diga humana.
Seja do ponto de vista político-social, seja da perspectiva psicossocial, as Jornadas trouxeram um debate instigante sobre como o homem contemporâneo, que se crê livre das tradições e das referências simbólicas, encontra-se desamparado e mais preso do que nunca às forças demoníacas da pulsão de morte, tal qual Freud propusera.
Devemos considerar que a barbárie não é apenas anterior à civilização como também interior à ela. Barbárie e civilização, nos ensinou Freud, não são excludentes, mas se atravessam e fazem parte do "pacto social", pré-condição daquilo que os iluministas denominaram "contrato social".
A lógica do contrato social sustenta-se na idéia do reconhecimento do outro como pessoa, da alteridade, da diferença. Numa sociedade onde esta condição se vê apagada, na qual os laços fraternos prometem susbstituir o lugar paterno como a referência terceira que nos salva da identificação imaginária e instaladora das relações duais paranóicas, só podemos esperar o retorno do pior!




29 de maio de 2010

O INCONSCIENTE É PULSIONAL

Os conceitos fundamentais - inconsciente e pulsão - que trabalhamos nos Seminários em Londrina levam a refletir o quanto as idéias freudianas semeiam divergências e discussões polêmicas até hoje, mesmo dentre os que fazem parte do meio psicanalítico, pois embora não ocorram dúvidas quanto à existência do funcionamento inconsciente em nosso aparelho psíquico, no que tange à sua natureza e à sua fundação, há muitos percalços, mal-entendidos e dissidências...
Descrever o inconsciente e o funcionamento do aparelho psíquico, bem como sua implicação na formação dos sintomas, não parece tarefa difícil nem mesmo para aqueles que se iniciam no campo psicanalítico. No entanto, no que tange ao conceito de pulsão e sua articulação ao conceito de inconsciente, ao seguirmos os passos do mestre, nos defrontamos com pontos nodais e por vezes enigmáticos em seu percurso teórico, o que nos deixa com a bússola na mão e caminhos novos a percorrer.
“O Inconsciente é pulsional”, nos mostrou Freud ao afirmar que o que se encontra recalcado diz respeito à sexualidade infantil, e o retorno do recalcado é o que insiste sob a forma de atos falhos, lapsos de linguagem, sonhos e sintomas – matéria –prima da vida psi cotidiana – tanto a nossa quanto a de nossos pacientes.
Mas, para compreender não somente o seu retorno, mas também sua origem, há que se recorrer a um conceito fundamental na psicanálise – a pulsão.
Embora o termo TRIEB tenha sido alvo de traduções não confiáveis, sabemos que TRIEB não é INSTINKT, e é justamente nesta diferença que reside o alicerce sobre o qual se edifica o que considero de mais original no pensamento freudiano: o homem, diferentemente de outros seres do reino animal, não é governado por instintos, por um comportamento geneticamente herdado; ao contrário, rompendo com a ordem natural do mundo, submetido à linguagem e ao simbólico, o ser humano está para sempre destinado a buscar sua satisfação em objetos variados e das formas mais inusitadas.
“Pulsão”, nos diz Freud “é um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático”. Nem física nem psíquica, a pulsão é o que, articulando mente e corpo, rompe com o pensamento cartesiano vigente à época freudiana. Mas, como entender o corpo e o psíquico envolvidos no pulsional? Freud responde:
Pulsão é o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em conseqüência de sua ligação com o corpo”. (A Pulsão e seus destinos: 1915,p.142)
Se, por um lado, a pulsão representa psiquicamente as excitações que emanam do interior do corpo, por outro lado ela só pode ser conhecida psiquicamente através de seus representantes (idéia e afeto). Uma coisa é a pulsão, outra coisa é o representante psíquico da pulsão e outra ainda é a pulsão enquanto representante do somático no psíquico. De que corpo falamos aqui? Certamente não é do corpo biológico ou natural, pois, se assim fosse, reduziríamos a pulsão ao campo biológico ou instintivo. É em relação ao corpo submetido ao simbólico e à linguagem, que se refere Freud ao afirmar que as pulsões têm sua origem numa fonte somática, nos órgãos de onde provém a excitação, denominados de “zonas erógenas”, e seu objetivo é a satisfação através de um objeto que pode ser real ou fantasmático, ou seja, do campo das representações.
Nos “Três Ensaios sobre a sexualidade” (1905), Freud apresenta como fontes da sexualidade infantil a excitação das zonas erógenas, as quais podem ser qualquer parte do corpo, até mesmo nossos órgãos internos, enfatizando os orifícios do corpo como aquelas “portas abertas” privilegiadas no encontro com os cuidados maternos. Qualquer parte do corpo pode ser eleita como zona erógena, desde que ofereça condições de evocar prazer.
Do ponto de vista da psicanálise, sabemos que o nascimento de uma criança não garante o nascimento de um sujeito, pois operações importantes se farão necessárias para que o sujeito apareça enquanto resultado delas.
Nos primeiros tempos, a mãe responde quase automaticamente àquilo que supõe ser do campo das necessidades da criança, mas muito cedo se cava uma defasagem entre, por um lado, a dialética da demanda e do amor e, por outro lado, a da necessidade e da satisfação. Assim, os primeiros encontros do corpo(carne) com o mundo(Outro), imprimirão marcas psíquicas que correspondem às experiências de satisfação originárias. Através do diferencial prazer-desprazer, cada pulsão se instala articulando uma parte do corpo com um objeto de satisfação; é o que permitirá o estabelecimento do circuito pulsional que constituirá um sujeito. Lacan utilizou-se do vel da alienação para demonstrar como se dá tal processo, que envolve 2 operações: alienação e separação. Ao colocar-se em posição de alienação a criança oferece seu corpo à demanda do outro e comparece como objeto-coisa. O movimento pulsional da mãe que a toma como objeto deve apenas contorná-lo e deixá-lo cair, para que retorne como sujeito, efeito da separação. Portanto, é perder-se como objeto que possibilita o nascimento do sujeito. Concluímos com Lacan que “lá onde está o sujeito não se encontra o objeto, e lá onde está o objeto da pulsão não se encontra o sujeito”.
Se, com Freud dizemos que a pulsão é o conceito limite entre o físico e o psíquico, com Lacan, dizemos que é o conceito limite entre o Real o Simbólico. O Simbólico refere-se às representações pulsionais inconscientes, significantes inscritos a partir das experiências de alienação e separação, dos encontros e desencontros do corpo com o objeto e que possibilitam a experiência da falta e sua articulação na palavra, tal qual o netinho de Freud e a brincadeira do Fort-Da. Na ida da alienação e na volta da separação, o que fica é uma marca, “Representação de coisa” para Freud, “significante” para Lacan, correspondem estão aos representantes pulsionais que se fixam e se presentificam no aparelho psíquico como o recalcado original. Marcas simbólicas que constituem o inconsciente e que formam uma trama de representações (cadeia significante) sempre abertas a novas conexões, novas formações do inconsciente, possibilitando a associação-livre como método clínico. O analista, provocando a abertura de novas vias associativas, permite trazer à luz os significantes recalcados que representam a pulsão no inconsciente. Fundadores do inconsciente, os significantes determinam o sujeito e seu destino. Destinos da pulsão, destinos do sujeito.
A eficácia da psicanálise depende dos seus efeitos sobre um dos destinos da pulsão: o recalque e sua manifestação sintomática. A interpretação, ao agir sobre a rede de significantes presente no discurso, tem efeitos sobre a satisfação pulsional à qual se mantém preso o neurótico. Como afirma Laznik: “o trajeto que o neurótico emprega para satisfazer a pulsão lhe causa muito sofrimento e podemos esperar de uma análise que ela lhe permita poder chegar aí de maneira mais econômica.”
Por outro lado, há manifestações na clínica que não comparecem pela via da palavra ou do sintoma, mas que também tem valor significante e que demandam interpretação. Referem-se ao Real da pulsão que fica fora para que a representação se inscreva no psíquico, e se refere à energia desligada, cuja manifestação privilegia-se sob a forma de angústia ou “zona de relação do acting-out” definida por Lacan. Mas, esta forma de comparecer na transferência pela via da repetição, diz respeito aos outros 2 conceitos fundamentais sobre os quais nos debruçaremos nos próximos seminários.
Valéria Codato - maio/2010


Clique aqui para as referências bibliográficas

17 de maio de 2010

REMÉDIOS PARA AS DORES DA ALMA

No dia 18 de maio comemora-se a Luta Antomanicomial que nasceu como uma forma de romper com formas desumanas e indignas de tratamentos das "doenças mentais".
Os efeitos desse movimento foram múltiplos, e as propostas alternativas de tratamentos para o sofrimento psíquico na atualidade incluem a psicanálise como uma possibilidade de intervenção para "as dores da alma".

Clique aqui para acessar o texto na íntegra.

11 de abril de 2010

O ATO ANALÍTICO

OO ATO ANALÍTICO

O ATO ANALÍTICO


“[...] é preciso que cada psicanalista reinvente a partir do que ele extraiu de sua própria análise, a maneira pela qual a psicanálise poderia perdurar”.

(Lacan, J. Congresso sobre a transmissão, 1978)

Ler Lacan implica isolar determinadas proposições ou enunciados freudianos que têm o peso de ato fundador, pois com seu retorno à Freud, Lacan reinventa a psicanálise ao considerar a dimensão do Real e sua articulação com o ato e a linguagem.

Desde Freud, o ato da interpretação articula o desejo e o Real da experiência de satisfação, produzindo fragmentos da verdade inconsciente, que interrogam a posição do sujeito frente ao seu próprio desejo e sofrimento.

O registro apaziguador do simbólico, tão bem apontado por Freud na cura pela palavra, permite o entendimento, a compreensão, o sentido, mas não dá conta de tudo dizer do sem sentido presentificado nos atos falhos, nos sonhos, nos tropeços, nas repetições do desmedido e incomensurável Real que sempre bate à porta nas formações do inconsciente.

Enfatizando o desejo como causa, Lacan nos adverte sobre a dimensão do Real, do saber insabido, do perigo da alienação ao saber totalizante. Fundador de uma discursividade, apropriou-se da lingüística, matemática, lógica, topologia, antropologia dando novos sentidos ao que já estava em Freud e foi esquecido: o objeto a, o Real, o Imaginário e o Simbólico.

Sendo assim, Lacan inaugura uma prática da psicanálise que abre a dimensão do ato analítico. A posição do analista que provoca inquietações e novos interrogantes sobre o saber insabido do inconsciente, aponta para o lugar da falta, para a impossibilidade de articular saber e gozo, posto que a verdade toda, jamais é alcançada.

Considerando que o sujeito se constitui a partir da relação com o outro, a psicanálise também nos permite indagar sobre quem é o sujeito da cultura contemporânea. Ao escutar o sofrimento na dita pós-modernidade, o ato analítico interpela o sujeito na sua condição de desejante, já que, inserido numa cultura do gozo, alienado no saber da ciência e da tecnologia, abandona sua existência em busca de objetos de consumo que supostamente preencheriam sua falta, essência do desejo.

Diante do esvaziamento do lugar do Outro e de seus representantes, do esvanecimento do simbólico na cultura atual, exclui-se a palavra como condição humana de preenchimento da falta e aparece o corpo como lugar privilegiado de diferentes manifestações de sofrimento nas toxicomanias, na psicossomática, nas crises de pânico, nas anorexias e nas bulimias. A prática da psicanálise se contrapõe a este estado de passividade e assujeitamento, ao apontar para o sujeito um outro lugar de ex-sistir.

Cabe ao analista a condução de uma análise. Com suas intervenções, produz ato analítico, levando o sujeito a responsabilizar-se pela sua própria análise e pelo trilhamento de sua vida, o que o conduzirá a um grau de liberdade à medida que reconhece seus desejos, autorizando-se a novas criações.

“A psicanálise é uma prática delirante, mas é o que se tem de melhor atualmente para que se tenha paciência com essa situação incômoda de ser homem. É em todo caso o que Freud encontrou de melhor.” (J. Lacan)

Marta Dalla Torre e Valéria Codato Antonio Silva

Psicanalistas, Membros fundadores do Ato Analítico – Clínica e Transmissão de Psicanálise