No mês de março, a data do dia 8 no calendário não passa desapercebida como várias outras alusivas à temas que merecem ser ressaltados ou comemorados para reforçar a sua memória e não cair no esquecimento.
Sem levar em consideração os fatos históricos que originaram o Dia Internacional da Mulher, tomaremos como referencia o que era sugerido pelos movimentos feministas nas primeiras décadas depois dos anos 60. Uma mulher, para afirmar sua independência, renunciaria à maternidade e ao próprio desejo sexual (desejar um homem); condições que passaram a ser consideradas de submissão ao homem e ao patriarcado. Muitas vezes simbolizavam estes protestos queimando sutiãs em praças públicas. Sua reinvidicação era sair do privado, onde ocupava o lugar de "rainha do lar" ao exercer as funções de esposa e mãe.
Não há como negar que, na atualidade, o espaço que a mulher ocupa expandiu-se para além das fronteiras do privado. Com suas competências, não só dirigem caminhões nas rodovias transportando cargas como também ocupam cargos de dirigentes de nações.
Vale lembrar que fazem questão do sutiã, preferencialmente de modelos que possam ressaltar este atributo físico, alvo da cobiça do universo masculino.
A maternidade, tiram de letra, podendo escolher a data e/ou o sêmem para uma "produção independente", que melhor se adeque a mais este ideal para preencher seu vasto currículo. Fazem questão e amamentar seus bebês, aprendendo todas as regras e normas nos cursos de amamentação, com a garantia de que a aparência de suas mamas serão reparadas pelas próteses de silicone.
Se avaliarmos a mulher de hoje pelas manchetes das capas das revistas, "A Mulher" ideal existe e nada parece lhe faltar. No entanto, há uma pergunta que não quer calar, desde Freud: "O que quer a mulher?". Questão que nos conduz a pensar a feminilidade pela via da psicanálise.
Impulsionado pelo desejo de saber o que seria específico do feminino, Freud iniciou sua clínica tentando escutar as histéricas, e com esta escuta inventou a psicanálise. Ao admitir um não saber, pode construir sua teoria, dando voz e vez àquelas que lhe pediam para que se calasse e as escutasse.
Esta teoria foi apropriada por Lacan que, a partir de sua tese sobre o estudo da paranóia, avançou nos estudos freudianos e desenvolveu o que ele chamou de "Estadio do Espelho", fase em que a criança muito cedo identifica-se com a imagem que vê de si no Outro primordial, a mãe. O mundo dos nossos objetos, portanto, são constituídos a exemplo da imagem apreendida como eu(moi) e como objeto do desejo da mãe,uma imagem sustentada pelo desejo da mãe que é Outro.Uma intrusão primeira, desconhecimento paranóico que forma uma imagem ideal(eu ideal),ilusão aprisionante, mas condição primeira (recalque originário) do falasser que, para se dizer humano, também precisa se apropriar da linguagem que é própria da cultura, o simbólico.
A sexualidade do falasser, macho ou fêmea, é ordenada pelo significante fálico, representante do recalque originário.A anatomia e os fenômenos fisiológicos não são experimentados em estado bruto, mas mediados pela linguagem e simbolizados, obedecendo uma determinação significante na sexuação graças ao valor fálico atribuído pelo Outro primordial.
A saída do Édipo, função normativa ou mesmo tipificante na assunção da posição masculina /feminina ,do lado do menino reconhece as insignias do pai que são da ordem de um traço de identificação paterna que possa lhe garantir uma "virilidade por procuração", da qual fará uso para abordar outra mulheres. Tal qual seu pai, ele próprio passou pela castração, lei que vale para todos seres masculinos e funda a classe dos homens.
Para a menina, do lado da mãe há carência de traço que seria específico da feminilidade,"mas na especificidade de privação do traço(Melman,C. O que quer uma mulher,in Ensino Lacaniano-Coletânea.1985-pag 60),"se queixa de estar privada de um orgão que atestaria sua feminilidade ". Nesta busca, que é constatada pela curiosidade e atenção que as mulheres exercem entre si, na busca deste traço que atestaria sua feminilidade, suporte de uma identificação imaginária, na identificação simbólica",vive assim regularmente em falta em relação à "A Mulher" que ela pensa dever ser.
Movimento que a coloca num paradoxo de sua reenvidicação ,tentando se fazer existir e ouvir como A mulher, toda, sem faltas. O que nos remete aos ilustrativos seriados televisivos: de "Meninas superpoderosas " à " Desesperates house wives".
Mas, se com Lacan concebemos que o "rochedo da castração" está para além, no Real, no que funda o recalque originário, a posição d'A mulher toda é reinvidicação imaginária da neurose, a falta é da ordem da estrutura, que abre a possibilidade de desejo e de satisfações parciais.Também com lacan aprendemos que o objeto é causa do desejo (objeto a).Da condição da "falta em ser" do sujeito, e de se asujeitar a ser objeto do gozo do Outro, identificado ao significante fálico é que pode advir como falasser.
Lacan sublinhou no seminário "As formações do inconsciente" que só existe uma maneira de desejar,qualquer que seja o sexo. pois trata-se de uma condição de estrutura, o destino do falasser:..."se pode perguntar se existe radicalmente outro desejo que não seja o histérico, desejo de desejo insatisfeito"(Andrè,Serge; O que quer uma mulher, p.204).
Freud, um bom neurótico conduzido por um não saber, inventou a psicanálise, também submetido ao enigma do falasser,"che vuoi?"(o que o Outro quer de mim?).O legado Freudiano que hoje norteia nossos não saberes e que coloca os psicanalistas neste trabalho permanente nos leva a concluir que a arte de viver está em construir se no desejo de desejo, cada um se responsabilizando pela suas próprias escolhas," o dono ou a dona de sua história".
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