Por Valéria Codato
Ao refletimos sobre a gravidez na adolescência, devemos considerar acima de tudo a relação mãe-filha e suas conseqüências na construção da sexualidade da menina/mulher.
Não podemos ser ingênuos e pensar que essas gravidezes ocorrem meramente por modificações hormonais ou como resultado da curiosidade sexual despertada no momento da adolescência.
A psicanálise sustenta a concepção de sexualidade como uma construção que começa na infância, quando a criança é acolhida pelo desejo dos pais. Todo o percurso que se segue, denominado identificação, é o que determinará o destino subjetivo de pertencer ao universo masculino ou feminino. Portanto, as funções materna e paterna são decisivas para esta construção. Tais funções não precisam necessariamente ser exercidas pelos pais biológicos, mas quem tomar esta responsabilidade para si deve ter consciência da importância do que transmitirá à criança, para além daquilo que se pretende ensinar. Ou seja, as atitudes, os gestos, as palavras, o olhar, tudo o que vem daqueles que cuidam e acolhem a criança, será determinante na constituição de sua subjetividade. E esta constituição se edifica sobre a sexualidade, entendida aqui como as experiências prazerosas vivenciadas desde o nascimento, e não somente ao que se refere como órgãos genitais. Portanto, o tornar-se mulher dependerá de como se estabeleceu a relação mãe-filha desde os primórdios da vida, de como a mãe pode transmitir à filha o gozo da feminilidade.
É importante ter isto em mente quando se pensa sobre a gravidez na adolescência e também sobre como ambas- mãe e filha- vivenciam tal experiência.
Atualmente, a grande maioria das meninas é muito bem informada e conhece métodos variados de contracepção, mesmo entre as camadas mais pobres da população. No entanto, elas não fazem uso das informações que têm. Conhecem os riscos, os métodos para evitar a gravidez, mas não se fazem cargo disto, e na maioria dos casos, nem sabem explicar o por quê. São inúmeras as meninas que não crêem correr o risco de uma gravidez, como se pudessem transitar pela sexualidade sem maiores conseqüências. Como se fossem meninas que brincam de médico, e não mulheres sexuadas. Em outros casos, somente conseguem manter relações sexuais quando não há premeditação, ou seja, têm que acontecer sem planejamento, num impulso de momento. Assim, não se implicam como responsáveis pelo acontecido.
Sabemos que uma certa dose de impulsividade e inconsequência são toleradas na adolescência, posto que são consideradas como características de um momento crítico da vida. Chiclete, algodão doce e picolé não os divertem mais. Saem em busca de um novo modo de satisfação. Os pais geralmente os encaminham para os esportes e outras atividades onde possam “gastar energia”, mas nada consegue demovê-los de lançar-se ao encontro com o objeto sexual.
Que vivência têm essas adolescentes desse momento em que seus corpos são tomados pelo desejo sexual? Como suas mães enfrentam este despertar sexual da menina?
Muitas vezes a dita “educação sexual”, seja na escola ou na família, propõe aulas de anatomia e de fisiologia, através de informações claras sobre um organismo que funciona a partir de hormônios e órgão genitais. No entanto, esquecem-se de que o ser humano, diferentemente de outros do reino animal, não é determinado apenas pelos ditames orgânicos, mas sofre uma determinação pulsional inconsciente. Um corpo que, para além da dimensão biológica, é um corpo erógeno, marcado pelo simbólico e organizado pelo imaginário.
Assim, uma gravidez neste momento da vida põe em xeque o ensinamento dos pais, seus conselhos, suas orientações e valores. Nasce um novo bebê que é jogado no colo dos pais dessas meninas, frequentemente como uma forma inconsciente de ocupar estes pais com outro bebê que não ela própria, isto é, mais do que um filho, estas meninas parecem gerar um clone, para que assim possam crescer.
É esperado que os pais se sintam culpados ou responsáveis pelos atos de seus filhos, principalmente quando crianças ou adolescentes.
Entre mãe e filha há sempre uma certa ambivalência e competitividade inconsciente, que pode se expressar na forma de sentimento de culpa quando se revelam dificuldades maiores na vida de uma filha tão jovem. É ainda inevitável que a mãe se identifique à filha, se coloque no lugar dela, pois uma filha sempre traz a possibilidade de atualizar para a mãe a sua própria história.
O sentimento de culpa pode também encobrir decepção e o descontentamento por ter sido promovida à posição de avó tão cedo. Para algumas avós jovens, este fato provoca uma grande insatisfação ao terem que se confrontar com a perda da juventude antes do previsto.
Muito provavelmente, ao se ocupar do neto(a), a avó permitirá mais facilmente que sua filha viva sua vida com mais liberdade. Este pode ter sido o motivo da gestação, podendo oferecer um novo bebê à sua mãe, inconscientemente, a adolescente pode deixar o mundo da infância para que outro tome seu lugar!
Cuidar dos netos pode ser muito prazeroso, mas a responsabilidade sobre a maternidade e paternidade não podem ser substituídas nem amenizadas pelos avós. Aqueles que “escolheram” muito cedo (mesmo que de forma inconsciente) assumir seu papel sexual e social, não devem ser poupados da responsabilidade sobre os filhos.
Oferecer ajuda à filha não deve ser confundido com substituição da mesma. Quando cada um assume seu lugar, sua função e seu papel, torna-se mais fácil o amadurecimento, inclusive evita-se confusões e sofrimentos por parte da criança.Acredito que nos tempos atuais, facilmente os pais/avós se comprometem a cuidar do neto por acreditarem que assim poupariam o sofrimento de todos (filhos e netos), pois os pais de hoje buscam a todo custo livrarem os filhos daquilo que é próprio da vida- sofrer as consequências dos próprios atos. Acreditando, talvez, que estariam fazendo o melhor para eles, impedem seu verdadeiro crescimento.
Afinal, assumir a posição de sujeito é poder desejar e arriscar-se a ser feliz!
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