6 de junho de 2010

OUTROS MAUS-TRATOS

Texto de Rosely Sayão

A PROCURADORA aposentada Vera Lucia Gomes, acusada de maltratar severamente uma criança de dois anos que pretendia adotar, já foi condenada por todos nós. 

Quem é que não culpa um adulto que humilha, impõe castigos físicos torturantes, destrata e agride uma criança indefesa? Por isso, nos permitimos dar à procuradora adjetivos como louca, bruxa, psicopata. 
Em entrevistas, a acusada reconheceu que exagerou algumas vezes no tratamento dado à garota, mas por um bom motivo: dar educação a ela. E Vera Lucia fez mais. Declarou que agiu mal porque perdeu a paciência com uma impertinência da menina, como acontece com quase todas as mães quando estas ficam nervosas, irritadas ou estão num mau dia. 
Essa declaração da acusada revela um incômodo: por trás da tragédia que ela protagoniza se escondem milhares de dramas cotidianos vividos por crianças de todas as idades, inclusive por aquelas que vivem em famílias de classe média. 
Decidimos colocar as crianças sob intensa pressão: elas precisam aprender a se comportar assim que os pais ensinam, elas precisam gostar de estudar e ter êxito na escola, elas devem aproveitar bem o que os pais lhe oferecem e demonstrar gratidão por isso e, principalmente, corresponder à expectativa de sua família. 
Mas criança não aprende de primeira e, mesmo depois que aprende algo, irá transgredir e desafiar; criança gosta mesmo é de brincar, e não de estudar; criança acha que os pais têm obrigação de lhe dar tudo o que ela quer; criança não tem autocontrole e gosta de experimentar. 
Num mundo em que a infância está desaparecendo e em que os adultos teimam em parecer juvenis, é quase uma impertinência a criança se comportar como tal, dar trabalho, exigir paciência e persistência dos adultos que a educam. 
E é por essa razão que, todos os dias, muitas crianças sofrem: apenas porque são crianças e os adultos se impacientam com isso. 
Hoje, alguns comportamentos delas são considerados síndromes, doenças, desajustes que exigem cuidados especializados e medicação. 
Há muitas maneiras de se maltratar uma criança. Uma delas é não suportar que ela se comporte como criança.

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