"Se
os psicanalistas não querem estar à altura do que têm a cargo,nem por isso o
que têm a cargo deixa de existir ou deixa de ter seus efeitos". (Lacan,1968)
.
Independente de ser freudiano
ou lacaniano,o que se tem a cargo,seguindo a lógica da des-coberta freudiana,é
este constante trabalho que aponta sempre para o que é próprio da condição
humana: de um não querer saber de sua verdade, verdade do desejo inconsciente.
Desde sua invenção, a psicanálise tem
produzido efeitos no modo de pensar sobre o homem e sua relação com o mundo. Diante
das demandas da contemporaneidade, que buscam respostas rápidas e soluções
mágicas para o sofrimento humano, a psicanálise, alvo de toda sorte de
críticas, resiste como uma prática que restitui ao homem sua condição subjetiva
É o
que presenciamos também na França e na Bélgica, onde pudemos constatar que
apesar da tendência terapêutica medicalizante, e de oposições do campo
científico, a psicanálise insiste em se manter viva na postura ética dos
psicanalistas. Postura esta garantida pela sua formação, que se dá pela via de
sua própria análise e do estudo dos textos psicanalíticos, visão confirmada
pelas palavras de Denise Sainte Far Garni, por ocasião de nosso encontro em seu
consultório em Paris: “Psicanálise se aprende no divã e na leitura dos
textos".
Em nosso encontro
com os psicanalistas Anne e Nazir Hamad,
pudemos levantar considerações sobre a adoção, tema em destaque no momento de
nossa visita à França, em virtude dos encaminhamentos atuais a respeito do
matrimônio entre homossexuais e a conseqüente legalização da adoção de crianças
por parte dos mesmos. Mais uma vez, confirmou-se o lugar de exceção que um
psicanalista deva ocupar, pois não lhe cabe tomar uma posição contrária ou a
favor sobre questões que são levantadas a partir das inúmeras mudanças que
a organização familiar e social sofre em nossa atualidade, mas sim de ocupar-se
dos questionamentos a esse respeito, principalmente quanto aos efeitos
subjetivos desta nova ordem social que nos são apresentadas.
O
psicanalista Jean Jacques Rassial, por sua vez, fez considerações sobre a adolescência hoje,
que no seu entendimento, se constitui numa ordem fraterna, neste tempo do pós
declínio da função paterna, resultado da substituição do discurso do mestre pelo
discurso capitalista. Argumentou que o Édipo não é mais garantia do laço
social, a família moderna é patológica e "a adolescência como
seu barômetro"(Winnicot), mostra estes efeitos.
Observamos
que, na França, os serviços de saúde e social privilegiam o atendimento à infância,
pois há o entendimento de que é possível um cuidado preventivo nas questões de
saúde mental.
Tivemos a oportunidade de conhecer uma unidade de acolhimento que presta
serviço às crianças de zero a três anos cujas mães se encontram em situações
desfavoráveis ao estabelecimento da díade mãe-bebê, como nos caos de mães psicóticas,
depressões pós-parto, maus tratos com a criança. A equipe é formada por
enfermeira puericulturista, psicólogo,medico psiquiatra, psicomotricista ,
tendo como requisito realizarem sua análise pessoal. A função da instituição é
acolher a díade mãe- bebe, nos espaços oferecidos pela instituição, um lugar
colorido, com brinquedos,almofadas,assemelhando-se a uma casa, inclusive com
cozinha equipada onde mães,crianças e profissionais preparam e tomam as
refeições, o que promove a possibilidade de intervenções também neste momento
privilegiado da alimentação, tão importante para tenra infância. Oferecem
também atendimentos individuais com a mãe e seu bebê,onde o profissional se
coloca como aquele que acolhe e traduz as mensagens e promove a comunicação
entre eles, facilitando, assim, a instalação da função materna propriamente
dita.
Por outro lado, o" Par Helie", que visitamos em Bruxelas, é um
hospital dia que oferece atendimento a
crianças e adolescentes com comprometimentos mais graves, tais como psicose e
autismo. A equipe é constituída por psicólogos e psiquiatras que se utilizam do
modelo institicional para desinstitucionalizar, ou seja, esperam que o trabalho
institucional tenha como resultado que os pacientes ganhem em termos de
autonomia.
Vale ressaltar que o trabalho da equipe é sustentado no dispositivo
psicanalítico há 30 anos. Realizam reuniões com estudos de casos, possibilitando
assim, intervenções na singularidade de cada caso.
Na ocasião de nosso encontro com a
psicanalista Denise Sainte Far Garni, fomos informadas que tem se estabelcido
em Paris um forte movimento contrário à psicanálise como método de trabalho com
autistas, como é o caso do PREAU, cujos
longos anos de pesquisa e serviços a essa população, coordenados pela
psicanalista Marie Christine Laznik e outros, corre o risco de perder-se.
Sabemos que, certamente, há outros interesses nesta postura oficial por parte
do poder público parisiense.
No entanto, vale dizer que "a luta
continua" para aqueles que desejam ter "a seu cargo", ofertar
"este pedacinho de sorte'', descoberto por Freud e que, ao ser
resgatado por Lacan, nos convida ao trabalho.Afinal, Freud também afirmou
que governar,educar e analisar são missões impossíveis, posto que são práticas
que exigem um movimento constante e incessante, e que não se esgotam nem tampouco
podem ser concluídas.
É
nessa posição ética que se sustenta o trabalho do Ato Analítico, não se
rendendo à captura imaginária de soluções terapêuticas imediatistas e próprias
do mundo capitalista que nos cerca, mas que distanciam o sujeito de sua própria
verdade.
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