18 de março de 2013

“Psicanalisar, ainda? Considerações sobre uma prática que insiste e resiste às mutações do tempo”


                                        "Se os psicanalistas não querem estar à altura do que têm a cargo,nem por isso o que têm a cargo deixa de existir ou deixa de ter seus efeitos". (Lacan,1968)


                               .
            Independente de ser freudiano ou lacaniano,o que se tem a cargo,seguindo a lógica da des-coberta freudiana,é este constante trabalho que aponta sempre para o que é próprio da condição humana: de um não querer saber de sua verdade, verdade do desejo inconsciente.
Desde sua invenção, a psicanálise tem produzido efeitos no modo de pensar sobre o homem e sua relação com o mundo. Diante das demandas da contemporaneidade, que buscam respostas rápidas e soluções mágicas para o sofrimento humano, a psicanálise, alvo de toda sorte de críticas, resiste como uma prática que restitui ao homem sua condição subjetiva
              É o que presenciamos também na França e na Bélgica, onde pudemos constatar que apesar da tendência terapêutica medicalizante, e de oposições do campo científico, a psicanálise insiste em se manter viva na postura ética dos psicanalistas. Postura esta garantida pela sua formação, que se dá pela via de sua própria análise e do estudo dos textos psicanalíticos, visão confirmada pelas palavras de Denise Sainte Far Garni, por ocasião de nosso encontro em seu consultório em Paris: “Psicanálise se aprende no divã e na leitura dos textos".
                Em nosso encontro com os psicanalistas Anne e  Nazir Hamad, pudemos levantar considerações sobre a adoção, tema em destaque no momento de nossa visita à França, em virtude dos encaminhamentos atuais a respeito do matrimônio entre homossexuais e a conseqüente legalização da adoção de crianças por parte dos mesmos. Mais uma vez, confirmou-se o lugar de exceção que um psicanalista deva ocupar, pois não lhe cabe tomar uma posição contrária ou a favor sobre questões que são levantadas a partir das inúmeras mudanças que a organização familiar e social sofre em nossa atualidade, mas sim de ocupar-se dos questionamentos a esse respeito, principalmente quanto aos efeitos subjetivos desta nova ordem social que nos são apresentadas.
                  O psicanalista Jean Jacques Rassial, por sua vez, fez considerações sobre a adolescência hoje, que no seu entendimento, se constitui numa ordem fraterna, neste tempo do pós declínio da função paterna, resultado da substituição do discurso do mestre pelo discurso capitalista. Argumentou que o Édipo não é mais garantia do laço social, a família moderna é patológica e "a adolescência como seu  barômetro"(Winnicot), mostra estes efeitos.
                   Observamos que, na França, os serviços de saúde e social privilegiam o atendimento à infância, pois há o entendimento de que é possível um cuidado preventivo nas questões de saúde mental.
                      Tivemos a oportunidade de conhecer uma unidade de acolhimento que presta serviço às crianças de zero a três anos cujas mães se encontram em situações desfavoráveis ao estabelecimento da díade mãe-bebê, como nos caos de mães psicóticas, depressões pós-parto, maus tratos com a criança. A equipe é formada por enfermeira puericulturista, psicólogo,medico psiquiatra, psicomotricista , tendo como requisito realizarem sua análise pessoal. A função da instituição é acolher a díade mãe- bebe, nos espaços oferecidos pela instituição, um lugar colorido, com brinquedos,almofadas,assemelhando-se a uma casa, inclusive com cozinha equipada onde mães,crianças e profissionais preparam e tomam as refeições, o que promove a possibilidade de intervenções também neste momento privilegiado da alimentação, tão importante para tenra infância. Oferecem também atendimentos individuais com a mãe e seu bebê,onde o profissional se coloca como aquele que acolhe e traduz as mensagens e promove a comunicação entre eles, facilitando, assim, a instalação da função materna propriamente dita.
                     Por outro lado, o" Par Helie", que visitamos em Bruxelas, é um hospital dia  que oferece atendimento a crianças e adolescentes com comprometimentos mais graves, tais como psicose e autismo. A equipe é constituída por psicólogos e psiquiatras que se utilizam do modelo institicional para desinstitucionalizar, ou seja, esperam que o trabalho institucional tenha como resultado que os pacientes ganhem em termos de autonomia.
Vale ressaltar que o trabalho da equipe é sustentado no dispositivo psicanalítico há 30 anos. Realizam reuniões com estudos de casos, possibilitando assim, intervenções na singularidade de cada caso.
                                Na ocasião de nosso encontro com a psicanalista Denise Sainte Far Garni, fomos informadas que tem se estabelcido em Paris um forte movimento contrário à psicanálise como método de trabalho com autistas, como é o caso do  PREAU, cujos longos anos de pesquisa e serviços a essa população, coordenados pela psicanalista Marie Christine Laznik e outros, corre o risco de perder-se. Sabemos que, certamente, há outros interesses nesta postura oficial por parte do poder público parisiense.

                             No entanto, vale dizer que "a luta continua" para aqueles que desejam ter "a seu cargo", ofertar "este pedacinho de sorte'', descoberto por Freud e que, ao ser  resgatado por Lacan, nos convida ao trabalho.Afinal, Freud também afirmou que governar,educar e analisar são missões impossíveis, posto que são práticas que exigem um movimento constante e incessante, e que não se esgotam nem tampouco podem ser concluídas.
                               É nessa posição ética que se sustenta o trabalho do Ato Analítico, não se rendendo à captura imaginária de soluções terapêuticas imediatistas e próprias do mundo capitalista que nos cerca, mas que distanciam o sujeito de sua própria verdade.