9 de outubro de 2011

O que se espera da criança,saúde ou doença mental?

Nesta 5º edição do "Encontros com a Psicanálise" quero reiterar a alegria de contar com a presença não só de colegas psicanalístas, mas também com a daqueles colegas que se ocupam de aliviar o sofrimento humano, com seu trabalho na área da saúde e ,também aqueles que apresentam o mundo às crianças em idade escolar, permitindo lhes construir seu aprendizado no ler ,escrever e contar.Colegas com quem, em meu percurso de um psicanalísta na rede pública,possibilitaram me um espaço de escuta, onde pude constatar seus efeitos,não só nas subjetividades,mas também no modo de conduzirem suas práticas.Um desafio que, sustentado pelo desejo, tem se renovado em cada jornada de meu trabalho diário,numa aposta que é dar lugar ao sujeito ,este que falado pelo Outro ,fala.
Um desafio que vai na contra mão da "fé contemporânea"*, que se sustenta nos "efeitos de felicidade"* como medida de todas as coisas.Nossos tempos se caracterizam pela " felicidade e a vida boa" que, "já não resultam mais da harmonia com o ideal de cada um partilhado socialmente,mas no objeto de consumo ofertado sem limites.São novos os modos de pensar ,de ponderar,fazer sexo,de conviver,de namorar, de construir família,de viver ideais,de cuidar das crianças,etc.
A nova economia psíquica é organizada pela exibição de prazer e determina novos deveres.Se há um desejo ou carência a satisfação do mesmo se torna legítima.A demanda é então de encontrar sua satisfação ,tomada como um direito ,exigível a qualquer preço.
Os princípios que marcam os limites que é a condição da vida,estão em falta e em seu lugar se encontra o excesso como norma."*
E estamos todos nesta barca que parece estar a deriva de um gozo sem fim,onde o capitão também se incluí, pois perdeu a bússola norteadora do desejo,a Lei terceira, que baliza os sujeitos no laço social.
Recordo o meu trabalho apresentado no "Encontros com a Psicanálise I" , cujo título era "Ser mãe se ensina?".Era um tempo em que me via implicada na questão de como o ensinar poderia suprir a carência que muitas gestantes se encontravam por não terem elas próprias a experiência dos cuidados com bebês da família e, também não contarem com o suporte, seja de suas mães ,avós ou tias ,seja das comadres ou vizinhas,que pudessem de uma certa forma amenizar suas inseguranças,incertezas e medos próprios desde período gestacional e pós- parto.
O grupo de gestantes funcionaria como um remendo do tecido social.Tecido que dá espaço ao sujeito de por a prova seu desejo e,no caso das gestante apostar no seu saber inconsciente, sustentado pelo desejo-de-filho,e que portanto, não se trata de ensinar e sim de dar suporte ao que uma mãe sabe. Era possível constatar que os cuidados das mães para com seus filhos se encaminhavam ,pois as crianças assistidas pela puericultura demonstravam terem mães "boas o suficiente".
Se alguns percalços nestes tempos da infância se apresentassem ,os encaminhamentos para o serviço de psicologia poderia ser buscado . Era nas histórias da criança, contadas pelos pais ,que na sua maioria ,escutados e interrogados em suas funções ,se implicavam nesta história ,no sentido de se reposicionarem perante a queixa ,responsabilizando se como aqueles a quem caberia acalmar os choros, a até fazerem se obedecidos, nas desobediências.
Se a dificuldade fosse na escola,os recursos da coordenação,dava o suporte aos professores na sua posição de ensinante.
As notícias sobre "hiperatividade" ,"déficit de atenção" ,"transtorno de conduta" ,já davam suas mostras significativas,mas sempre acompanhadas do diagnóstico com a assinatura e carimbo do C.R.M.;assim como as receitas e, suas respectivas dosagens de" Ritalina","Depacote" ou "Concerta"(por sinal,diga se de passagem,que sua prescrição-"Concerta",no que pode significar este significante,já por si só ,é curativo).
Desde então muita água rolou e o barco parece furado ,sem concerto e, o sujeito vazou pelo furo.No discurso da maioria dos pais não tem sujeito , aquele que pratica a ação ,nem pronome.
O pai não comparece,nem para acalmar a mãe ("mère- calme"), nem nas entrevistas dos atendimentos ,seja psicológico ou médico.
E a mãe fala DA criança,não de seu filho.Pois neste discurso ,não se trata da "majestade o bebê",com quem ela recupera sua imagem narcísica,ao ver se completada, quando aloja seu filho no lugar de objeto causa de seu desejo.A criança parece não lhe concernir,não é falada por ela- a mãe.Quem descreve é a ciência , nos inúmeros exames e testes de um organismo em disfunção.Resultados de um ir e vir nos caminhos dos encaminhamentos,da pediatria à neuropediatria ,à psicopedagogia ,à psicologia,à psiquiatria.
Nestes discursos nada se aproxima daquela definição ,um pouco ultrapassada, "ser mãe é padecer no paraíso",onde as mães, concernidas em seu desejo-de-filho, se mostram sofridas,infelizes, pois seu filho não se parece com o ideal imaginado,ideal onde há um querer saber sobre o que lhe cabe sobre seu filho,dando um lugar de pertença à criança.
E na escola?
A criança é levada para a coordenação pela professora que ,diante da dificuldade apresentada pelo aluno ,crê que a dose de sua medicação foi insuficiente e, na sala de coordenação,ela terá acesso ao armário onde se armazena "Ritalina","Depacote" ou "Concerta".É importante salientar ,pois estamos todos à deriva,muitas vezes a professora também, tem recorrido à "Fluoxetina ",para dar suporte à sua tripla jornada de trabalho.
O que se espera da criança ?
Hoje a criança é esperança de um ideal impossível.Cabe a ela ser a garantia do narcisismo perdido do adulto ,num gozo sem limites;onde o TUDO que é ofertado pelo mercado , lhe é oferecido:desde o enxoval completo do bebê,à agenda cheia ,com curso de idiomas já no maternal,os mais modernos eletrônicos,a roupa da modinha-com sutiã de bojo ,festas de aniversário aos moldes de produções "Hollywoodianas".
Caso não seja este o caso, e a criança vem como aquela, ou aquilo, que causa impedimento à realização de um narcisismo exacerbado dos pais ,a ela é ofertado um lugar de dejeto, que é só o avesso do TUDO no que diz respeito ao resultado, pois o dano é o mesmo.Na tentativa de existir enquanto sujeito, a criança só pode se mostrar nas hipercinesias ,nas dificuldades de aprendizagem,doenças frequentes,etc.
Bem , em se tratando de filho ,de criança, dá trabalho;chora ,faz xixi,não dorme,etc;precisa de um adulto para organizá la.Aquele que na função de Outro Parental ,"suporta padecer no paraíso" e tem um saber sobre ela ,que lhe garantirá um querer saber na idade escolar(tempos da latência).Querer saber que deverá ser acolhido pelo desejo de ensinar de um professor,que lhe indicará caminhos do e no social.
Criança não nasce sabendo e, as novas biotecnologias, ainda, não nos indicam que este produto será ofertado pelo mercado.
*Mario Fleig-"Autonomia da pós- modernidade:um delírio?"-cadernos IHUidéias/Unisinus.
Trabalho apresentado por Marta Dalla Torre nos "Encontros com a Psicanálise V".

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