14 de junho de 2010

O SENHOR DAS MOSCAS ou O SENHOR ESTÁ ÀS MOSCAS...

De 09 a 12 de junho, o Ato Analítico esteve presente nas VI Jornadas de Direito e Psicanálise, promovido pelo Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. As Jornadas ocorrem anualmente em torno de uma obra literária escolhida pelos participantes do Núcleo, que pertencem aos campos do Direito, da Psicanálise, da Filosofia, da Antropologia, da Sociologia e áreas afins.
Nesta ultima semana, a obra literária em cuja órbita se movimentaram os diversos discursos e debates, foi "O Senhor das Moscas" de William Golding. A narrativa remete tanto a uma análise mais sociológica sobre a civilização e a organização de nosso mundo social, quanto a uma análise mais psicológica de seus personagens.
O autor nos leva para uma ilha, uma espécie de "paraíso perdido" onde se instala uma guerra entre anjos e demônios, tendo como pano de fundo o "mal que nos habita". Autores como Hobbes, Roussaeau, Durkheim, Freud, Lacan, Bauman, Melman, dentre outros, foram muitas vezes citados pelos conferencistas e palestrantes, fomentando um interessante debate interdisciplinar, num espaço de intersecção e interlocução entre diferentes campos do (não)saber.
Num mundo sem adultos ou sem referências, os personagens, crianças e pré-adolescentes se mostram desorientados após um período inicial de euforia sustentada na idéia de uma liberdade sem limites. No entanto, com o passar do tempo, mediante a imperiosa "necessidade de sobrevivência", agem como seres primitivos aquém de qualquer moral ou ética que se diga humana.
Seja do ponto de vista político-social, seja da perspectiva psicossocial, as Jornadas trouxeram um debate instigante sobre como o homem contemporâneo, que se crê livre das tradições e das referências simbólicas, encontra-se desamparado e mais preso do que nunca às forças demoníacas da pulsão de morte, tal qual Freud propusera.
Devemos considerar que a barbárie não é apenas anterior à civilização como também interior à ela. Barbárie e civilização, nos ensinou Freud, não são excludentes, mas se atravessam e fazem parte do "pacto social", pré-condição daquilo que os iluministas denominaram "contrato social".
A lógica do contrato social sustenta-se na idéia do reconhecimento do outro como pessoa, da alteridade, da diferença. Numa sociedade onde esta condição se vê apagada, na qual os laços fraternos prometem susbstituir o lugar paterno como a referência terceira que nos salva da identificação imaginária e instaladora das relações duais paranóicas, só podemos esperar o retorno do pior!




6 de junho de 2010

OUTROS MAUS-TRATOS

Texto de Rosely Sayão

A PROCURADORA aposentada Vera Lucia Gomes, acusada de maltratar severamente uma criança de dois anos que pretendia adotar, já foi condenada por todos nós. 

Quem é que não culpa um adulto que humilha, impõe castigos físicos torturantes, destrata e agride uma criança indefesa? Por isso, nos permitimos dar à procuradora adjetivos como louca, bruxa, psicopata. 
Em entrevistas, a acusada reconheceu que exagerou algumas vezes no tratamento dado à garota, mas por um bom motivo: dar educação a ela. E Vera Lucia fez mais. Declarou que agiu mal porque perdeu a paciência com uma impertinência da menina, como acontece com quase todas as mães quando estas ficam nervosas, irritadas ou estão num mau dia. 
Essa declaração da acusada revela um incômodo: por trás da tragédia que ela protagoniza se escondem milhares de dramas cotidianos vividos por crianças de todas as idades, inclusive por aquelas que vivem em famílias de classe média. 
Decidimos colocar as crianças sob intensa pressão: elas precisam aprender a se comportar assim que os pais ensinam, elas precisam gostar de estudar e ter êxito na escola, elas devem aproveitar bem o que os pais lhe oferecem e demonstrar gratidão por isso e, principalmente, corresponder à expectativa de sua família. 
Mas criança não aprende de primeira e, mesmo depois que aprende algo, irá transgredir e desafiar; criança gosta mesmo é de brincar, e não de estudar; criança acha que os pais têm obrigação de lhe dar tudo o que ela quer; criança não tem autocontrole e gosta de experimentar. 
Num mundo em que a infância está desaparecendo e em que os adultos teimam em parecer juvenis, é quase uma impertinência a criança se comportar como tal, dar trabalho, exigir paciência e persistência dos adultos que a educam. 
E é por essa razão que, todos os dias, muitas crianças sofrem: apenas porque são crianças e os adultos se impacientam com isso. 
Hoje, alguns comportamentos delas são considerados síndromes, doenças, desajustes que exigem cuidados especializados e medicação. 
Há muitas maneiras de se maltratar uma criança. Uma delas é não suportar que ela se comporte como criança.