Valéria Codato Antonio Silva
A auto-estima origina-se de uma fase própria do desenvolvimento emocional do ser humano que é chamada de narcisismo pela psicanálise. Narcisismo é tomar a si mesmo como objeto de amor, tal qual o mito de Narciso que apaixonou-se pela sua própria imagem ao vê-la refletida no lago.
Esta fase se estabelece a partir do vínculo entre mãe e filho nas primeiras etapas do desenvolvimento infantil ( aproximadamente de zero a dezoito meses ), quando se dá uma relação exclusiva e excludente na qual a criança é tomada com “centro das atenções” pela mãe e vê nesta a imagem de si como um ser completo e perfeito. Mãe é aqui entendida como aquela pessoa que cuida, nutre e protege o bebê em seus primeiros meses de vida, o que nem sempre coincide com a figura da mãe legítima.
Isto fica bastante evidente ao observarmos as atitudes de cuidado, admiração e encantamento de uma mãe com seu bebê, e o quanto este depende de sua presença. É a partir de então, desse olhar materno sobre o filho e da imagem que a mãe faz dele, do lugar que ele crê ocupar em seu desejo que a criança vai desenvolver sua auto-imagem , precursora do que posteriormente se constituirá na auto-estima.
Contudo, se faz necessária a superação desta fase ,dita especular, para que a criança saia deste “ ensimesmamento” e busque relações com o mundo exterior. À medida em que a criança cresce, a mãe direciona-se a outras atividades permitindo à criança outros investimentos afetivos que não só ela (brinquedos e outras pessoas de seu convívio).Alternativas estas que são uma tentativa de suprir a ausência da mãe e que portanto, se constituirão em substitutos de uma ilusão original de completude e perfeição junto à figura materna.
É digno de nota observar que os pais tendem a atribuir aos filhos toda perfeição e ocultar suas deficiências, tecendo expectativas num investimento para fazer suas vidas melhores do que a deles próprios, estabelecendo para eles uma perspectiva futura muitas vezes difícil de ser alcançada. Consequentemente, ou a criança se transformará num agente realizador dos sonhos dourados dos pais, ou poderá vivenciar fracassos com um ideal que jamais poderá alcançar. Por exemplo, quando é chegada a hora de um adolescente escolher seu futuro profissional muitas vezes vive um conflito quase sempre gerado pelas expectativas dos pais, que nem sempre coincidem com a sua própria escolha.
Os pais hão de reconhecer que à medida que amam seus filhos com um amor narcísico, isto é, vendo neles sua própria imagem e semelhança, portanto sua realização, não permitem ao filho seu desenvolvimento próprio. É importante que os pais saibam qual a medida do amor a fim de proporcionarem aos seus filhos uma medida de amor-próprio suficiente que viabilize uma vida na qual não precisem buscar incessantemente a garantia de serem dignos de amor.
“Devemos começar a amar a fim de não adoecermos”(Freud, 1914). Com tal concepção Freud nos mostra a importância de se ultrapassar esta fase narcísica primária, a qual pode levar uma pessoa a desenvolver doenças emocionais graves , quando não superada. No entanto, um certo grau deste narcisismo ou auto-estima deverá ser preservado ao longo da vida, por meio do qual estabelecemos nossas relações posteriores.
As escolhas que fazemos em nossos relacionamentos nos remete sempre a fases do desenvolvimento infantil. Assim sendo, a busca do reconhecimento em todos os níveis da vida pessoal ou profissional, sempre traz consigo resquícios das vivências narcísicas primitivas. Tanto as vivências de fracasso como de sucesso são sempre revivências do narcisismo constitutivo de nossa personalidade. Pode-se notar nos casos de separação conjugal uma vivência extremamente dolorosa de ambas as partes no sentido de reconhecerem o próprio fracasso em manter o vínculo, mesmo quando é consenso que o sentimento de amor tenha se acabado. Isto vem a comprovar que perdas e separações na vida adulta nos remetem sempre a experiências de separação vivenciadas em uma infância remota.
Portanto, se temos uma imagem valorizada de nós mesmos, somos capazes de nos relacionarmos com os outros de maneira não egoísta, não depositando no outro a responsabilidade pelos nossos fracassos e sucessos.
Geralmente, no senso comum, associam-se situações de baixa auto-estima à idéia de pessoas desleixadas, carentes afetivamente, deprimidas, tímidas, drogadas. Na maioria das vezes isto pode ser verdadeiro. Contudo, mesmo nos casos em que aparentemente as pessoas manifestam excesso de segurança, vaidade, autoconfiança, exibicionismo, podem estar buscando esconder através de uma imagem supervalorizada de si, o que na realidade se revela como uma baixa auto-estima.
Podemos então concluir que a imagem que fazemos de nós mesmos é inscrita em nosso inconsciente e portanto, está presente em todas as nossas atitudes e manifestações diárias. Contudo, por tratar-se de marcas encobertas em nosso mundo psiquico, não temos acesso `as mesmas a nível de uma de compreensão consciente. Se faz então necessária uma intervenção profissional no sentido de ajudar as pessoas a livrarem-se de seu sofrimento psiquico, pois muitas vezes buscam soluções inconsistentes em “manuais”, medicamentos, treinamentos e outras atividades que só fazem aumentar a angústia frente a um problema que precisa ser abordado mais profundamente.
É o que muitas vezes constatamos em casos de timidez, seja em crianças, adolescentes ou adultos. O tímido muitas vezes se vê cobrado pelas outras pessoas no sentido de se expressar mais espontâneamente, o que para ele se constitui num esforço extremo para um objetivo inatingível. Na realidade, tal situação acaba por rebaixar ainda mais sua auto-estima, já que busca superar o problema baseando-se em referencias externas e não numa compreensão de seu mundo íntimo.
É através da Psicanálise que temos acesso ao mundo inconsciente e portanto, constitui-se num método eficiente para o tratamento das questões aqui abordadas.
Maringá abril de 1999